sábado, 28 de janeiro de 2012

Do nascimento e da não-morte de Léo

Uma interpretação da maravilhosa cancão Léo de Milton Nascimento. Uma letra que fala, ao meu ver, de liberdade, de luta e da vida cotidiana. Belíssima!


O nome Léo, provém da palavra leão, do latim leone. Sua imagem está normalmente associada à justiçaà coragem, ao poder e à força. O leão é um dos doze signos do zodíaco e seu símbolo representa  energia concentrada que não se dissipa. O símbolo materializa também a juba do leão, majestoso rei dos animais, e ao mesmo tempo uma coroa, ligação com a realeza. Na mitologia egípcia, era ligado à ressurreição. Também na mitologia alquímica é a divindade que encerra em si os mistérios da morte e do renascimento e representa o rei em sua forma pós-mortal. A cabeça do leão leva o simbolismo de cuidado e vigilância. Seus dentes, eternidade e indestrutibilidade. Imagens de heróis lutando desarmados contra um leão tendem a representar a luta do homem contra si mesmo, seus desejos, paixões e afetos.


Léo - Milton Nascimento
Um pé na soleira e um pé na calçada, um pião
Um passo na estrada e um pulo no mato
Um pedaço de pau
Um pé de sapato e um pé de moleque
Léo

Um pé na soleira e um pé na calçada, nosso dia-a-dia, nosso ir e vir, nossa dúvida em partir ou ficar, sair ou entrar. Um passo na estrada - esse sendeiro que muitas vezes nos assusta -, e logo um pulo no mato, um esconderijo, uma fuga, uma necessidade de proteção e uma defesa risível: um pedaço de pau. Como qualquer pessoa, tem apenas seu próprio instinto como delineador do seu caminho, o qual começará a ser trilhado sem os instrumentos e a experiência necessários: apenas um pé de sapato. E frente à necessidade de desbravar e a precocidade desse desejo, diante da falta, aparece uma fragilidade infantil: um pé de moleque. Ninguém está preparado para sair pro mundo. 

Um pé de moleque e um rabo de saia, um serão
As sombras da praia e o sonho na esteira
Uma alucinação
Uma companheira e um filho no mundo
Léo

A lascívia, um moleque inebriado de desejo, a revelação do corpo do outro, o sexo. Um serão, que tanto pode significar um trabalho noturno, quanto um sarau ou luau, ambas acepções, dentro do contexto, nos levam a pensar em fantasia, em festa dos sentidos. No sonho de verão, uma descoberta e um rito de passagem: a comunhão, o amor, a continuidade e a plantação da semente.
Um filho no mundo e um mundo virado, um irmão
Um livro, um recado, uma eterna viagem
A mala de mão
A cara, a coragem e um plano de voo
Léo

A percepção inevitável da mudança essencial. Um apoio fraternal que compartilha e reitera essa compreensão, confiança depositada naquele que aquiesce. Uma inspiração, a dolorosa partida anunciada em forma de bilhete, a peleja do homem. A viagem requer pouca carga, sinceridade, muita coragem e a utopia de ir mais longe, de desprender-se do cotidiano, de alcançar o céu.
Um plano de voo e um segredo na boca, um ideal
Um bicho na toca e o perigo por perto
Uma pedra, um punhal
Um olho desperto e um olho vazado
Léo

A liberdade na alma, o medo do efeito desse refrão. O temor, a solidão, a certeza do risco, a angústia do pressentimento. Qualquer artifício para proteger com afinco a ilusão de uma carne atacada e machucada. Uma supressão grandiosa - justo a visão! - compensada por um coração atento. 
Um olho vazado e um tempo de guerra, um paiol
Um nome na serra e um nome no muro
A quebrada do sol
Um tiro no escuro e um corpo na lama
Léo

visão parcial, um choro parcial, completamente inoportunos e a tentativa de manter-se na luta armazenando defesa e provisão. Um ser que vai se multiplicando, não só vive onde está, como também através das inúmeras vezes em que seu nome se escreve. É de noite, um disparo, a carne que morre. A lama, ao mesmo tempo que simboliza fracasso e humilhação, representa a matéria primordial e fecunda segundo a tradição bíblica. Unindo terra e água, é o princípio de tudo.
Um nome na lama e um silêncio profundo, um pião
Um filho no mundo e uma atiradeira
Um pedaço de pau
Um pé na soleira e um pé na calçada

Um nome frutífero, maldito e difamado, um pesar, uma confusão de sentidos. Por outro lado, um fruto natural e inocente, com a mesma vontade e a mesma fragilidade. O início está no fim porque todo fim é um novo início, como o homem que morre e nasce na lama. As aspirações de Léo são como o ar, que se espalha e não se pode conter. As ideias apenas se deslocam no espaço, as ideias não morrem nunca.